terça-feira, 16 de novembro de 2010

Por que sofremos?


O Yoga Sūtra de Patañjali é uma obra composta de 196 aforismos e é uma das grandes referências para quem estuda o Yoga. O capítulo II comenta sobre a prática (Sādhana Pāda) e nos apresenta de forma muito clara os 5 tipos de kleśas.

Kleśa significa sofrimento, aspecto doloroso da consciência, aflição, miséria existencial.

Essas aflições quando manifestadas potencializam o desequilíbrio de certos atributos (gunas), modificando dessa forma o fluxo de causa e efeito, se refletindo nos frutos das nossas ações. Elas são: ignorância (avidyā), egoísmo (asmitā), apego (rāga), aversão (dvesa) e medo da morte (abhiniveśa).

A ignorância (avidyā) é a causa dos outros quatro kleśas.

Eles existem em vários estados: latente, atenuado, intermitente ou ativo.

Se apresentam de três diferentes formas:

- Ādhidaivika: aquele que surge das forças da natureza.
Ex: Tsunami, terremoto, tempestades, indundação, etc.

- Ādhibhautika: aquele que nasce dos relacionamentos.
Ex: Não aceitarmos as pessoas como elas são.

- Ādhyātmika: aquele que vem de dentro, ou seja, já está na pessoa na forma de condicionamentos ou crenças limitantes.
Ex: Achar que um determinado objeto possa nos dar a felicidade que tanto buscamos.

Quando compreendemos que o fruto do nosso sofrimento é proveniente da nossa ignorância (conhecimento errôneo), o único antídoto para nos livrarmos dele é o conhecimento. A causa do sofrimento se dá unicamente por uma má compreensão do real significado das coisas (ilusão). Através do conhecimento podemos distinguir o que realmente nos torna feliz e satisfeitos, saber as coisas que podemos modificar daquelas que não podem ser modificadas.

É necessário sempre investigarmos o que motiva a nossa insatisfação. Quando lutamos por algo devemos ter em mente, antes de tudo, que essa é uma luta interna. Certas tentativas de mudanças e conquistas se tornam inúteis quando elas apresentam as suas próprias limitações. Isso pode representar uma grande perda de tempo e energia, que poderíamos estar direcionando para mudanças realmente úteis.

Aceitarmos as coisas como elas são não significa ser compassivo com tudo, mas aceitar uma dada situação como ela é. Achar que podemos adquirir, controlar e modificar o mundo e os outros é um grande equívoco, uma grande falta de maturidade emocional. Por exemplo: Quando programamos o nosso dia e as coisas começam a dar erradas, o que adianta ficarmos nervosos e procurando achar culpados para os nossos problemas? Com certeza essa postura não vai mudar nada e de bônus vamos estar gerando uma bela úlcera no nosso estômago.

Se compreendemos isso passamos a trabalhar a “acomodação” (estado de kśanti) frente as diferentes situações apresentadas para nós. Saber se acomodar é uma arte de se viver bem. Somente através da prática constante podemos modificar esse padrão. Isso representa uma maturidade emocional.

A maturidade emocional se reflete na compreensão que existe uma ordem (Íśvara), uma inteligência que faz com que as coisas aconteçam e sejam exatamente da forma como são. Implica também na verdadeira compreensão dos valores e numa postura ética em relação a eles. Isso nos da a condição de agirmos e fazer o que é apropriado sempre que possível (dharma), além de vivermos uma vida onde os problemas passam a ser basicamente relativos.

Texto de Vicente Morisson

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

O que é Dharma?


Por detrás de toda ação existe um desejo. Mas qual ação faremos para satisfazermos o desejo é uma questão de escolha. Podemos fazer de um jeito, do jeito contrário, ou de um jeito diferente. Então, o que guia nossas escolhas?

Dentro da tradição védica temos um conceito fundamental denominado dharma. A palavra dharma vem da raiz sânscrita dhr, que quer dizer sustentar. Portanto o dharma é aquilo que sustenta, que possibilita, que regula, são as leis, os valores, um estilo de vida. Nosso primeiro impulso seria definir dharma como “o que é ético” ou “o que é moralmente correto”. Mas esse seria um erro; dharma é muito mais do que isso. Dharma é visto como um dos quatro purushárthas, ou objetivos da vida humana. Além de dharma e moksha, sobre o qual falaremos mais tarde, os outros dois purushárthas são artha e káma, segurança e prazer. Na busca de alcançar esses objetivos, e satisfazer nossos desejos, nos deparamos com a necessidade de fazer escolhas, e o que nos guia nessas escolhas é dharma.

Mas porque devemos ter esse cuidado todo com a escolha da ação? Afinal de contas, contanto que a ação nos dê o resultado imediato esperado, tudo bem. Bom, na verdade, a coisa não é assim tão simples. Os Vedas dizem que toda ação, karma, tem resultados que podem ser de dois tipos: visível, drshta phala, ou invisível, adrshta phala. O visível é aquele imediato. Se você avança um sinal de trânsito (semáforo) e quase provoca um acidente vai ouvir a indignação dos outros motoristas. O invisível fica desconhecido e vem a frutificar mais tarde, quando você recebe a notificação da multa por ter avançado o sinal! O resultado, seja visível ou invisível, pode ser agradável ou desagradável. O resultado agradável chamamos punya, e o desagradável chamamos pápa. A partir do momento em que entendemos que existe uma ordem nesse universo que regula nossas ações e seus resultados e que sem dúvida sofreremos o resultado de nossas ações mais cedo ou mais tarde, ou até mesmo quem sabe numa próxima vida, naturalmente passamos a ser mais cuidadosos ao escolhê-las e buscamos nos guiar pelo dharma.

O conceito de dharma não pode ser entendido, ou explicado, em poucas palavras. Vamos tentar compreender a extensão que essa palavra alcança entendendo os conceitos de sámánya dharma e vishesha dharma.

Sámánya dharma é o dharma geral, regras gerais aplicáveis a todo membro da sociedade, ou os valores aceitos universalmente. Não gostamos que nos agridam, portanto não devemos agredir os outros. Não gostamos quando os outros nos enganam ou mentem, portanto não devemos mentir ou enganar. Vishesha dharma é o dharma específico de um grupo ou de um indivíduo dentro da sociedade. Se sou um médico, devo ser responsável e respeitar meus pacientes. Como filho devo cuidar de meus pais. Dentro da sociedade védica esses dharmas específicos eram muito bem definidos e divididos em áshrama dharma e varna dharma.

Um áshrama é um período da vida de uma pessoa. A tradição védica fala sobre quatro áshramas: brahmacharya, grhastha, vánaprastha e sannyása. No primeiro período da vida o indivíduo se dedica ao estudo. Nesse período, chamado brahmacharyáshrama, a dedicação deve ser completa e o relacionamento com o guru deve ser priorizado em detrimento de outros. É por isso que a palavra brahmacharya está tantas vezes associada ao celibato. Em um segundo período da vida o indivíduo se casa, tem filhos e sustenta sua família e a sociedade com seu trabalho. Essa fase é chamada grhastháshrama. Depois que os filhos estão crescidos, casados e que o indivíduo não é mais tão necessário no prover da família vem a terceira fase, vánaprastháshrama. A pessoa se aposenta e tem a oportunidade de se dedicar ao estudo das escrituras em busca do auto-conhecimento. Essa é uma fase que serve de adaptação para a seguinte, sannyásáshrama, quando o indivíduo se desvincula de todos os seus compromissos com a sociedade e relacionamentos familiares e se torna um renunciante. Essas fases bem definidas da vida do indivíduo servem para guiá-los em suas escolhas. Cada indivíduo em cada um desses áshramas tem seus direitos e deveres bem definidos. Esses “direitos e deveres”, esses “certos e errados” são o dharma, ou o áshrama dharma de cada indivíduo em cada fase da vida.

O conceito de castas é bem conhecido, mas sua origem é de modo geral ignorada. Os varnas, ou castas têm sua origem nos Vedas, mas, ao longo do tempo seu significado foi sendo deturpado. O conceito de varnas é usado nos Vedas para classificar os vários tipos de mentes e elucidar o tipo de atividade que cada indivíduo, com certas características mentais, estariam mais aptos a seguir. Esta classificação não era para ser algo hereditário como veio mais tarde a se transformar. São quatro os varnas. Os indivíduos com uma grande capacidade intelectual, com habilidades para serem professores, intelectuais, pesquisadores, eram chamados Bráhmanas. Aqueles com forte impulso para a ação, clareza de mente, senso de dever para com a sociedade como um todo, os guerreiros e governantes eram chamados Kshatriyas. Os indivíduos do terceiro grupo, Vaishyas, também têm um forte impulso para ação, mas uma visão mais restrita. Eles visam as próprias necessidades mais que as necessidades coletivas. São os comerciantes. E por último temos os Shúdras. Esses não têm nem muito impulso para ação, nem capacidade mental extraordinária, mas são necessários dentro da sociedade para desempenhar os trabalhos mais mecânicos.

Dentro da sociedade védica o dharma dos indivíduos, em cada áshrama e varna, ajudava a regular e harmonizar o convívio dentro da sociedade. No momento em que o desejo aparece é o dharma que deve guiar o indivíduo na escolha da ação adequada.

O Dharma do Yogí

O quarto purushártha é moksha, a liberação. Aquele indivíduo que busca moksha entende que a satisfação dos desejos não trazem uma felicidade permanente e por isso busca a liberação definitiva do senso de limitação que leva ao sofrimento. Mas mesmo esse indivíduo não está livre de ter desejos e de ter que escolher a ação adequada para satisfazê-los. Na verdade, para esse indivíduo, o yogí, a escolha de seguir o dharma, seja qual for sua fase da vida, predisposição mental ou escolha profissional, é pré-requisito fundamental. Uma vida de yoga é uma vida essencialmente dhármica. Nos dias de hoje, mesmo na Índia, o dharma pessoal não é assim tão claro quanto no tempo védico. A sociedade se modificou e com ela o dharma. O dharma não é absoluto, muda no tempo e no espaço. Sendo assim, cada um deve buscar compreender seu próprio dharma dentro da sociedade e da família em que nasceu, e assim guiar suas escolhas e ações. Mas mesmo nos dias de hoje podemos utilizar um velho conselho indiano que diz que, em caso de dúvida, devemos procurar uma pessoa sábia e não envolvida diretamente na situação para aconselharmo-nos. Dentro da sociedade indiana, até nos dias atuais, essa pessoa geralmente é o guru.

Os desejos e as qualificações da mente

Uma coisa é saber o que fazer, outra coisa é pôr esse conhecimento em prática. Nossos desejos são fruto das nossas programações mentais, nossas predisposições, ou samskáras. Muitas vezes os motivos que nos levaram a um desejo são ignorados por nós, ficam no nosso inconsciente, e nesse caso é ainda mais difícil resistir à ação errada. Se quisermos seguir uma vida dhármica temos que conhecer nossa mente para que as ações, aos poucos, deixem de ser impulsivas e passem a ser deliberadas. Essa é uma grande qualificação da mente que deveria ser almejada por todo yogí. Uma mente qualificada terá a capacidade de controlar tanto suas ações externas quanto suas emoções. Essas duas qualidades são citadas tanto em textos de Vedánta quando em textos de Yoga. A capacidade de controlar as ações em um nível físico é dama. E a capacidade de controle dos pensamentos e emoções, ou seja, a nível mental, é shama. Mente e corpo não são separados, um está constantemente influenciando o outro.

O desejo começa ao vermos um objeto. Se nesse momento percebemos aquele primeiro pensamento do tipo “seria bom se eu...” podemos conscientemente afastar o segundo, o terceiro e o quarto pensamentos que iriam reforçar o primeiro e finalmente levaria o desejo a se instalar por completo em nossas mentes. Uma vez instalado o desejo, só há uma opção, controlar nossos órgãos de ação, essa qualificação é dama. Nesse caso a manifestação no nível físico é controlado. Podemos até chegar a ficarmos “vermelhos de raiva”, mas seguramos a vontade de agredir alguém.

Podemos nos ajudar a ter uma disciplina da mente através do disciplinar do corpo e também podemos ajudar a disciplinar o corpo através do disciplinar da mente. A estreita interação do corpo com a mente possibilita isso. É aí que ásanas, pránáyámas e outras práticas, físicas ou não, do Yoga nos ajudam a ter clareza de mente para escolher a ação correta e colocá-la em prática.

Devemos conhecer a mente, controlar o corpo, escolher a ação dhármica e esperar o fruto da ação, confiantes de que ele é sempre adequado e em harmonia com a ordem do universo, mesmo se não for o desejado. E depois reavaliar os desejos, escolher outra ação, e por aí vai. Parece simples em teoria, na prática nem tanto. Mas quem disse que uma vida de Yoga era para ser fácil?

Texto de Paula Ornelas, professora de sânscrito e vedanta no Rio de Janeiro

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Faça arder!!



Tentei. Juro que tentei manter minha mente quieta ao presenciar mais uma experiência não tão agradável com o que algumas pessoas chamam de prática de yoga. Tentei manter os meus preconceitos a parte, mas os instintos básicos berravam com toda força dentro de mim. Pediam por sobrevivência. Como poderia eu sobreviver àquela sessão de espancamento gratuita, até então dita, yoga.

Argumentos vêm e vão, mas nada mais me tira da cabeça de que certos tipos de prática são torturas. São humilhantes...desagradáveis.

Não me imagino permanecendo por tempo prolongado em uma postura que meu corpo não comporta. Tudo bem, existe inicio, às vezes a gente pena para construir uma base mais sólida, criar força para se sustentar, mas temos que realizar que certas coisas estão além das nossas limitações!! Ahimsaaaaaaaaaaa!!!! O Pilar da prática, do Dharma.

Até certo ponto estou começando a achar uma grande irresponsabilidade dos profissionais que exigem dos alunos coisas que eles possivelmente nunca farão. Um corpo não foi feito para realizar todas as posturas e é preciso respeitar isso!

Asana é conforto. Patanjali já definia isso nos yoga sutras. Se não há conforto, como vou poder experimentar o momento presente ao máximo? Vou poder, sim, experimentar dor máxima, e com o tempo, uma possível lesão muito séria.

Se começamos a prática invocando o mantra Om, não adianta de nada continuá-la apenas invocando, agora, nomes de músculos, articulações e ossos.

Outro problema é que nenhum praticante iniciante é obrigado a saber destes nomes todos e muito menos reconhecer estas partes do corpo através de tapas bem fortes e estalados.

É muita informação para uma pessoa, que ainda tem que olhar para o professor e, sobretudo, continuar respirando...tem aqueles que acabam esquecendo.

Então aquele momento de reflexão, de compreensão sobre a sua própria natureza, se torna uma sessão de anatomia aplicada com tapas, voz estridente e alta, caras feias, resultados de dores e ás vezes até com requintes de crueldade. “Mantenha a postura e faça arder!!”

Voltando um pouquinho, se começamos a pratica invocando o Mantra Om, isso quer dizer que estamos refletindo sobre o Ser. Om é Shabda Brahman, ou seja, a forma sonora do absoluto.

Om nos remete àquilo que somos. É um lingam, ou seja, algo que nos mostra a direção de nossa caminhada.

E para realizar a nossa própria essência, é preciso conforto, é preciso assentar o corpo, aquietar a mente, e não agredi-lo.

Corpo e mente são suas ferramentas para a meta última do Yoga que é Moksa (liberdade). Então cuide bem delas.

Lembre-se: não existe só uma forma de praticar, existe a sua forma, a mais adequada ao teu momento, às tuas limitações. Saiba respeitá-las e poderás praticar por muito tempo.

Questione sempre, pergunte, tente aprender sempre mais. Não somente de um professor, não somente de uma marca ou rótulo de Yoga. Estude, faz parte. Procure suas respostas, ouça o que vem de dentro de você. Yoga é yoga e pronto. Mas acima de tudo é liberdade, paz e conforto em si mesmo.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

A visão Védica do Yoga


O Yoga tornou-se popular. Hoje em dia quase todos já ouviram falar de Yoga, a maior parte das vezes associado a posições contorcionistas de um artista de circo.

Nem sempre a comunicação social ajuda a transmitir o que seja o Yoga e, verdade seja dita, nem sempre aqueles que se dedicam ao seu ensino ou prática perceberam verdadeiramente a que almeja o Yoga.

A observação da realidade mostra-nos que todos os seres humanos estão envolvidos em diferentes tipos de busca nas suas vidas. Desde a infância vemos a criança esforçar-se para conseguir algo, primeiro comida, depois brinquedos e em adulto continua esse esforço em direcção a brinquedos maiores, a casa, carro e outros objectos. Percebemos ainda que mesmo havendo um padrão de busca comum, pessoas diferentes perseguem coisas diferentes.

Dir-se-á que, à primeira vista, existem tantas buscas quantos seres humanos. No entanto, mesmo quando parecem diferentes, se analisarmos, percebemos que em todas elas há algo em comum que todos buscam de forma uniforme: essa coisa comum é a aquisição de alegria, felicidade (sukha prapti). Uma pessoa pensa que felicidade existe na forma de ter uma casa e família, outra julga que é ter muito dinheiro, outra ser famoso, alguns procuram na música, etc. Mesmo sendo externamente diferentes em todas essas buscas cada um de nós só procura paz, conforto e felicidade. Não só todas as pessoas, mas todos seres buscam a felicidade (sukha praptaye pravrittihi). Vemos também que, por vezes, o esforço é para se libertar de algo, como numa visita ao médico em que nos queremos libertar da dor ou doença, ou ainda com qualquer objecto, quando queremos vender uma casa. Assim, a perseguição não é só de felicidade (sukham), mas também da libertação do sofrimento.

É então claro que toda a busca humana é no sentido de conseguir algo ou libertar-se de algo. Por trás de toda a conquista (coisas, relações) apenas procuramos felicidade (sukham pravritti). Mesmo quando o que queremos é libertar-nos de coisas, objectos, relações, o que procuramos é essencialmente o mesmo. Quando nos queremos desfazer da tv antiga, é porque vemos infelicidade (dukham) na tv – dukham nivrittihi.

Prosseguindo a nossa análise, compreendemos que queremos felicidade (sukham), sem qualquer mistura de sofrimento (dukham). Queremos ser felizes sem qualquer perturbação. Todos procuram felicidade pura – kevalam sukham. Mas não queremos só felicidade pura. Por quanto tempo queremos felicidade? Em que dia, a que horas? Percebemos que não só queremos felicidade pura, mas queremos felicidade permanente (nityam sukham). E depois de a alancarmos o esforço e busca não acabam. Agora trabalhamos também para a manter. E por fim, queremos felicidade de uma ordem que não possa ser aumentada ou melhorada. A geração dos meus pais começou por ter uma Tv a preto e branco, depois veio a tv a cores, a seguir a tv plasma e qualquer dia a tv a 3 dimensões. Queremos sempre mais. Queremos o máximo de felicidade, (niradishayam sukham), mas só o infinito não pode ser melhorado e aumentado.

Ou seja, queremos felicidade infinita em quantidade, em qualidade e em duração. A questão seguinte é: somos bem sucedidos neste esforço? Em crianças começamos esta luta e continuamos … alguém no momento da morte diz que está tudo bem? Que não quer mais nada? Não, continuamos com o sentimento de falta, de carência de algo. Algumas pessoas reconhecem este problema cedo, mas a maioria, continua a perseguição e morre perseguindo sem perceber que o problema foi mal diagnosticado.

As escrituras do Yoga e o ensinamento do Yoga discutem este problema fundamental, e segundo elas, de facto, não estamos a conseguir ter sucesso nesta busca, mas mais nunca teremos sucesso. Enquanto nos esforçarmos para alcançar felicidade permanente (nitya ananda) nunca o conseguiremos. E não o conseguiremos porque a abordagem ao problema está errada.

Vamos imaginar que estamos no meio da natureza e decidimos fazer um chá para aquecer enquanto apreciamos a natureza. Acendemos uma lareira, criamos uma estrutura própria para o efeito e aquecemos um pote de água. Naturalmente o pote aquece e depois aquece a água. Agora pergunto porque está a água quente? A água que normalmente é fria, adquire uma nova propriedade em contacto com o tacho que é quente, e torna-se quente. Porque está a água quente? Porque está o tacho quente? Por estar em contacto com o fogo. E porque está o fogo quente? Porque é fogo, porque é a sua natureza intrínseca. Seria o mesmo que perguntar porque é o gelo frio ou o açúcar doce. O tacho está quente porque empresta essa característica do fogo, é um atributo incidental. Da mesma forma, o calor na água é um atributo incidental. Assim, reconhecemos dois tipos de atributos, intrínsecos e incidentais. Se analisarmos mais profundamente descobrimos que a água tem o seu calor emprestado do fogo, percebemos que o calor na água é um atributo dependente, enquanto que o calor do fogo sendo intrínseco, é um atributo independente. Uma vez que o calor no fogo é intrínseco e independente, mesmo que removamos o tacho e a água, o calor permanece, com ou sem tacho, de manha ou de tarde, na Índia ou no Japão, em qualquer tempo, espaço ou condição., kala, desha, avastha. Assim a natureza intrínseca é sempre uma propriedade permanente. Por outro lado, a água é quente por causa do fogo. Quando o fogo é afastado, o calor desaparece. O atributo incidental é dependente e por isso também impermanente.

Retomemos agora a nossa busca original. Em que é que estamos interessados? Felicidade (sukham, ananda). E que tipo de felicidade queremos? Permanente. E o que fazemos? Trabalhamos para conseguir felicidade ajustando as condições externas, ao adquirir coisas e ralações novas. Quando conseguimos felicidade do mundo exterior, essa felicidade pertence a que categoria? Incidental, dependente, impermanente ou intrínseca, independente e permanente? Música, objectos, relações, se conseguimos alguma felicidade do exterior, ela é emprestada e incidental, dependente e impermanente. Assim, se a conseguimos, é certo que a vamos perder também. Esforçar-se para conseguir felicidade permanente (nitya ananda) é uma contradição em termos. Porque se a conseguimos ela é incidental, e se é incidental ela é dependente e por isso impermanente. Não podemos esperar do mundo felicidade permanente.

Perguntar-se-á então o que fazer? Se existe felicidade permanente (nitya sukham) não pode ser conquistada, porque se é permanente (nityam) não depende de outros factores e tem de ser a minha natureza intrínseca. Só se descobrir a felicidade (ananda) como sendo a minha verdadeira natureza, só então, poderei esperar ser permanentemente feliz - Svarupa andandaha eva nitya anandaha

A questão é que esta visão é difícil de aceitar, porque não essa a nossa experiência e o simples facto de buscarmos parece nega-lo. Não fosse assim, porque buscaria? Ou porque não tenho o que procuro ou porque ignoro que não tenho. A verdade é que procuramos a felicidade porque não a reconhecemos em nós, somos ignorantes dela. Se este facto não é conhecido, e se continuamos a persegui-lo, o que fazer? A solução não é adquirir (pravritti) nem ver-se livre (nivritti), mas conhecimento (jñanam), conhecermos quem somos, quem é este Eu auto-evidente. A solução é auto-conhecimento (atma vidya, svarupa jñanam).

Sobre este tema versa o ensinamento do Yoga, conforme foi discutido na parte final dos Vedas, chamada Upanishads. No Yoga encontramos o ensinamento, a preparação para ele e os meios para que esta compreensão e visão se estabeleça.

Texto de Miguel Homem. Grande amigo, irmão e professor de yoga em Portugal